Droga que combate à COVID é testada por Centro no RN

O remédio experimental proxalutamida, desenvolvido para tratar cânceres de próstata, está no radar de pesquisadores do mundo inteiro que investigam se o fármaco tem eficácia contra a covid-19 em pessoas do sexo masculino. Ainda sem data para divulgação dos resultados, o estudo já está em andamento e tem 724 voluntários cadastrados ao redor do mundo, sendo que 66 deles já estão recebendo os medicamentos. No Rio Grande do Norte, oito pessoas já foram incluídas no ensaio e outras 12 entrarão futuramente, segundo o médico infectologista Kleber Giovanni Luz, responsável local pela pesquisa.

 A suposição de que a proxalutamida poderia conter o avanço do coronavírus no organismo masculino parte da premissa de desenvolvimento da droga, criada para bloquear receptores de testosterona e tratar tumores de próstata. Os receptores são as enzimas conversoras angiotensinas (ECAs), que atuam como uma via de atalho para o vírus causador da covid-19 (SARS-CoV-2) se proliferar dentro das células. De acordo com o pesquisador Kleber Luz, os homens possuem maior quantidade de ECA em comparação com as mulheres, o que justifica o perfil pesquisado.

“As nossas células têm receptores de ECA, que quando ativados aumentam a pressão arterial. Os homens têm esses receptores em número muito maior, que é um caminho que o vírus usa para se multiplicar. É como se fosse uma suscetibilidade maior para multiplicação do vírus que está presente nos homens”, explica. Os voluntários são homens maiores de 18 anos, com diagnóstico confirmado de covid (leve ou moderada) até o sexto dia de sintomas. O estudo segue ainda outros critérios obrigatórios, como a inexistência de doenças imunossupressoras, tratamentos de câncer, radioterapia ou hemodiálise.Informações divulgadas pelo portal Global Health 50/50, banco de dados internacional voltado à promoção da igualdade de gênero no mundo, mostram que, no Brasil, os homens são os que mais se infectam por covid (56,13% / 43,87%), os que mais precisam de hospitalização (56,03% / 43,97%), os que mais morrem (56,21% / 43,79%) e os que menos se vacinam (45,95%  / 54,05%). No Rio Grande do Norte, a proporção dos óbitos segue o mesmo ritmo, com 3.977 mortes de homens (54,39%) e 3.335 de mulheres (45,61%).

“Ambos são suscetíveis, só que os homens têm mais receptores para formas mais graves. Morre mais homem do que mulher. Por exemplo, morreram 30 médicos no Rio Grande do Norte, 20 homens e 10 mulheres e não é por exposição porque na Saúde existem muito mais mulheres trabalhando do que homens”, comenta Luz, que conduz os ensaios no Centro de Pesquisas Clínicas (CPclin) em Natal.


O médico explica ainda que o processo funciona como um mecanismo de chave e fechadura. Ao entrar no organismo o vírus tentará destravar as “fechaduras” das enzimas (receptores) para acessar às células e se replicar. “A ideia da medicação é que se use durante alguns dias. O estudo deve começar até o sexto dia de sintoma porque o vírus ainda está se multiplicando e o remédio faz esse bloqueio, evitando que a pessoa evolua para a forma grave da doença. O objetivo é bloquear a entrada do vírus na célula porque o vírus para fazer efeito de doença tem que estar dentro da célula”, explica.

Mortes estão em investigação no Amazonas

A proxalutamida está no centro de um experimento envolvendo a morte de 200 pessoas no Amazonas. Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o estudo para testar o bloqueador hormonal em pacientes contaminados pela covid pode ser um dos casos mais graves de violação ética e de desrespeito aos direitos humanos na história da América Latina. Em setembro passado o ensaio foi alvo da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Conep), que enviou relatório à Procuradoria-Geral da República cobrando esclarecimentos sobre as mortes.

A substância está em desenvolvimento pela farmacêutica chinesa Kintour. Diferentemente de medicamentos como ivermectina e cloroquina que não previnem nem inibem o desenvolvimento do vírus — segundo entendimento de autoridades como Organização Mundial de Saúde (OMS), Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), Agência Europeia de Medicamentos, Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — ainda não há consenso da comunidade científica sobre a eficácia ou não da proxalutamida contra casos leves e moderados de covid em pessoas do sexo masculino.

Mas por que testar um medicamento que foi usado em um experimento no qual foram registradas mortes? Kleber Luz detalha que a diferença entre os estudos está no método utilizado. No episódio das mortes no Amazonas, a Unesco aponta possível violação da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos de 2005 e da Declaração de Helsinki. “Não tenho detalhes desse outro estudo porque não participei, mas a gente recebeu um comunicado da própria farmacêutica, dizendo que o que foi feito no Brasil não seguiu as normas. É como se o médico chegasse e dissesse ‘toma esse remédio’ e a pessoa não sabe o que está tomando. Não é assim que se faz pesquisa. O paciente precisa autorizar e tem que saber que está participando do estudo”, comenta o infectologista.

O pesquisador ressalta que a pesquisa em desenvolvimento com 724 voluntários inscritos, incluindo 20 no Rio Grande do Norte, segue todo o rito de um trabalho responsável. O trâmite teve início com a elaboração do projeto, posteriormente submetido à chancela de autoridades internacionais, como a FDA (agência americana de regulação de saúde e serviços). “Isso não significa uma aprovação, mas sim uma publicidade porque um estudo científico com humanos não pode ser feito às escuras, ele tem que ser transparente”, conta.

Em seguida, o protocolo precisa ser enviado para o crivo da Conep, que vai avaliar se os preceitos éticos estão sendo respeitados, e da Anvisa. Além disso, os participantes devem receber um termo de consentimento livre e esclarecido para poder passar pelo ensaio, que funciona como uma espécie de contrato, segundo Kleber. “Isso é o mais importante, é o que caracteriza um estudo. É um compromisso por parte do pesquisador, no caso eu, de responsabilidade sobre esse estudo. Nesse termo está tudo explicado, dizendo que a proxalutamida vai agir no receptor de ECA, que a pessoa vai poder receber o remédio ou o placebo, que ela vai receber tantos comprimidos por dia durante período x, tem todo o processo descrito em uma linguagem fácil. A pessoa vai ler, assinar e vai ter suas dúvidas esclarecidas”, explica.

FONTE: TRIBUNA DO NORTE

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