RN registra 3,1 mil casos de esporotricose em humanos e animais

Imagem: Pixabay

O Rio Grande do Norte vive um surto crescente de esporotricose, uma infecção fúngica que atinge principalmente gatos e humanos. Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap), entre 2016 e abril de 2025, foram notificados 734 casos suspeitos da forma humana e mais de 2.700 entre animais. O epicentro da doença está na Região Metropolitana de Natal, mas já há registros em 29 municípios potiguares.

A esporotricose é causada pelo fungo Sporothrix, encontrado no solo e em matéria orgânica, mas cuja principal via de transmissão tem sido o contato direto com gatos infectados — seja por arranhões, mordidas ou secreções. A médica infectologista Andreia Ferreira Nery, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), alerta: “O grande protagonista da esporotricose não é o ser humano, é o gato. Sem tratar os animais, não vamos interromper o ciclo de transmissão”.

A escalada da doença, segundo especialistas, reflete falhas históricas nas políticas públicas voltadas à saúde ambiental e ao controle de zoonoses. “A doença tem relação direta com falta de saneamento, lixo acumulado, abandono de animais e ausência de uma abordagem integrada entre saúde humana, animal e ambiental”, explica Andreia, que coordena um projeto estadual para enfrentamento da esporotricose.

Além do impacto epidemiológico, o surto tem um recorte social e de gênero: 67,8% dos casos humanos ocorrem em mulheres. “São elas que, culturalmente, cuidam de animais e da casa. Quando adoecem, toda a estrutura familiar adoece junto”, afirma a infectologista. Os efeitos incluem dor crônica, cicatrizes e afastamento das atividades laborais e domésticas.

Em 2023 e 2024, o RN concentrou 57% das notificações humanas, com picos de transmissão. Só em 2025, até 1º de abril, 58 casos já haviam sido registrados, inclusive em novas áreas, como Mossoró e Currais Novos. Nos gatos, Natal lidera com 78,4% dos casos.

Para combater a crise, a UFRN lidera um projeto aprovado pelo CNPq, com duração de dois anos e investimento de R$ 494 mil. A iniciativa prevê a capacitação de 800 profissionais em todo o estado e segue a abordagem de “Saúde Única”, que considera a interdependência entre saúde humana, animal e ambiental. Estão previstas ações como formação de equipes da atenção primária, elaboração de materiais educativos e visitas a áreas mais afetadas.

O tratamento da esporotricose está disponível no SUS. Para humanos, a droga mais usada é o itraconazol. Casos mais graves são encaminhados ao Hospital Giselda Trigueira, em Natal. Nos animais, o tratamento também inclui itraconazol, mas requer isolamento, monitoramento constante e, em caso de morte, descarte correto — com incineração, prática ainda pouco comum no estado.

Desde 2022, a Sesap mantém o sistema NotificaRN, que permite o registro da doença por tutores, veterinários e clínicas privadas. A ferramenta complementa os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e amplia a vigilância epidemiológica.

O RN foi pioneiro na notificação obrigatória da esporotricose em animais desde 2017, o que só recentemente se tornou exigência nacional. “A saúde animal ainda é negligenciada nas políticas públicas. Se não enxergarmos isso como um problema coletivo, continuaremos tratando apenas a ponta do iceberg”, finaliza a professora.

Fonte: Tribuna do Norte 

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