Discutir a “Garantia de acesso da população da Zona Norte ao Judiciário”. Esse foi o objetivo da audiência pública promovida, nessa segunda-feira (7) pelo deputado Ubaldo Fernandes (PL). O debate contou com vereadores da capital, líderes comunitários da Zona Norte, Tribunal de Justiça do RN e entidades ligadas ao Judiciário, como Ministério Público, Defensoria Pública e Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional RN – gerando encaminhamentos ao final.
Ubaldo solicitou que o debate tenha prioridade no Pleno do Tribunal de Justiça do RN para que se discuta profundamente o assunto e a sociedade tenha conhecimento dos pensamentos dos demais desembargadores do órgão. Além disso, informou que no próximo dia 14 a vereadora Nina Souza realizará outra audiência pública, na Câmara Municipal de Natal. “Após isso, estaremos formando uma comissão com várias instituições, a fim de analisar os próximos passos a serem tomados nessa luta”, concluiu.
Antes disso, o parlamentar enfatizou que realizou recentemente reunião com o presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Vivaldo Pinheiro, mas foi limitada e desta vez, com transmissão pela TV Assembleia e redes sociais, esperava engajamento dos cidadãos nesta luta. “Até 2018, a Zona Norte contava com serviços judiciais, tanto no Fórum Varella Barca, quanto no Shopping Estação, onde funcionavam as sedes de alguns juizados especiais, varas cíveis e criminais. Mas desde o fim de 2018, seus moradores ressentem do pleno acesso à Justiça, quando ocorreu o fechamento do Varella Barca, com transferência de juizados e varas para o complexo judiciário da Zona Sul, em Potilândia”.
Segundo o parlamentar, essa medida obriga pessoas de baixo poder aquisitivo a se deslocarem para longe de residências e, até mesmo, desestimulando a luta por seus direitos. “Com a informação de encerramento, em breve, dos serviços do complexo judiciário da Zona Sul, com o realocamento do seu efetivo para outras instalações do Judiciário em Natal, estamos reivindicando que alguns magistrados e servidores sejam remanejados para a Zona Norte. Essa defesa não se apoia apenas na acessibilidade da justiça à população desta região, mas também visa otimizar a atividade do próprio Judiciário, com a descentralização dos serviços e consequente melhoria do atendimento, uma vez que as pessoas das outras zonas distritais encontrariam serviços jurisdicionais menos sobrecarregados”.
O juiz Rosivaldo Toscano, representante do TJRN, fez uma apresentação sobre as tendências do Judiciário durante e após a pandemia. “Esse processo é uma tendência nacional do nosso Judiciário, que hoje preza pela especialização e padronização, racionalização de recursos, aumento do teletrabalho e aglutinação de alguns fóruns. Com a pandemia, houve a implementação dos juízos 100% virtuais, criado pelo Conselho Nacional de Justiça, em relação aos atos judiciais, aos atendimentos aos advogados e, inclusive, às audiências. Nós temos hoje, também, a inteligência artificial a nosso favor, com o auxílio de robôs, até para analisar as proposições”, detalhou.
De acordo com o magistrado, está ocorrendo fortemente no Poder Judiciário brasileiro a racionalização dos espaços existentes, a concentração de competências e os fóruns temáticos, visando à economicidade. “A tendência é realmente o acesso 100% virtual ao Judiciário pelos cidadãos. Até para participar de audiências o cidadão receberá um código para ingressar na sala online. Hoje isso já é uma realidade, em todas as etapas do processo”, disse. E destacou o fato de que muitas cidades do Nordeste, até maiores que Natal, não possuem mais fóruns distritais. “As pessoas quase não frequentam os fóruns. A ideia de que o acesso à Justiça se dá somente no fórum está ultrapassada. O melhor é que o cidadão nem precise ir a essas repartições”.
Acerca do Fórum Varella Barca, que funcionava na Zona Norte, o Juiz apresentou argumentos pelos quais deveria permanecer fechado. “A estrutura do prédio é antiga, dos anos 90, existem problemas de segurança e acessibilidade. Além disso, não necessariamente a população da Zona Norte chegará lá facilmente. Só há uma linha de ônibus passando por lá, e o cidadão teria que andar muito para chegar à repartição. Por outro lado, a acessibilidade ao Fórum Seabra Fagundes, em Lagoa Nova, é muito mais fácil, com mais linhas de transporte coletivo, além de haver todo um Complexo Judicial ali próximo – Justiça Estadual, Justiça Federal, Polícia Federal”, disse.
Mas o posicionamento não é unanimidade no TJRN. O magistrado Geraldo Mota, da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN, disse: “Se é para ser virtual, que sejam todas as regiões. Por que só a Zona Norte? Muitos juízes não querem ir àquela área, mesmo tendo sido nomeados para atender à cidade toda. Segundo o juiz, “daqui a pouco vão querer impor aos cidadãos do interior que se desloquem para Natal. Esse fórum de Lagoa Nova não tem estacionamento para todos, e a maioria é paga. O Centro da cidade tem uma estrutura muito melhor. E sobre os ônibus, a acessibilidade é ruim para Lagoa Nova. É melhorzinha para o Centro. É muito melhor que seja reaberto o fórum da própria Zona Norte”, opinou, lembrando que o lado humano do atendimento judicial não pode ser esquecido. “É muito diferente você ouvir o cidadão presencialmente, sentir a angústia dele, ouvi-lo, conhecer seu problema. Isso não tem comparação com o atendimento virtual”.
Representando o Ministério Público do RN, o promotor Oscar de Souza opinou no sentido de que, ao mesmo tempo em que o acesso à justiça é uma garantia constitucional, vive-se uma crise financeira no País, limitando a capacidade de atendimento presencial à população. “Não podemos nos esquecer desses problemas quando falamos sobre a reinstalação do fórum da Zona Norte. Então, o posicionamento do MP é de que a discussão poderia ter sido feita antes do fechamento. E é uma situação que já se consolidou há muito tempo, não apenas na Justiça Estadual, mas também na Justiça Federal e do Trabalho”, informou. De acordo com o promotor, o mesmo aconteceu com o Ministério Público, anos atrás. “Nós tínhamos promotores que trabalhavam na Zona Norte, mas, depois de um tempo, o prédio foi desocupado. E hoje os atendimentos do MP são concentrados aqui em Lagoa Nova, próximo ao prédio Seabra Fagundes”, contou. Em resumo, Oscar de Souza se posicionou pelo meio termo. “Acho que o Fórum deveria voltar a funcionar, atendendo somente as pessoas que têm dificuldades de acesso virtual e, eventualmente, retornando as audiências de alguns poucos assuntos. Portanto, acho que a melhor solução é adotar a forma híbrida de atendimento”, finalizou o promotor.
Alguns participantes se contrapuseram ao discurso do magistrado. A vereadora Nina Souza lembrou que o fórum foi fechado sem comunicação prévia à sociedade. “Permita-me, doutor, discordar do senhor. Nós estamos falando da população da Zona Norte de Natal, que tem mais de 350 mil habitantes. Uma região com baixa escolaridade, poucos recursos, baixa estrutura. Nós temos que entender que essa região tem uma realidade própria”, iniciou. Segundo Nina, os advogados também entendem que é imprescindível a reabertura do prédio, pois estão enfrentando dificuldades para trabalhar naquela área. “E a maioria da população ainda quer o atendimento presencial. Chegando lá, podem encontrar um juiz, receber orientações de servidores ou de eventuais advogados que se encontrem por lá. E com as portas fechadas, quem proverá essas informações?”. Para ela o ideal é aliar as necessidades técnicas do tribunal com a realidade social dos cidadãos, encontrando um equilíbrio.
O vereador Anderson Lopes ressaltou que a audiência deveria ter ocorrido antes do fechamento da repartição, para que se pudesse ouvir a população. “A Zona Norte hoje é maior que Mossoró, e a gente tem que ver os cidadãos atravessando praticamente a cidade inteira para ser atendida. É necessário que o Poder Público se sensibilize às necessidades dessa população tão numerosa da nossa capital”, finalizou. Também falaram a favor da reabertura de serviços judiciais na zona Norte os edis Herberth de Souza, Nivaldo Bacurau e Micklei Leite, além de lideranças comunitárias.
Representando a Defensoria Pública do Estado, o Dr. Marcos Vinícius lembrou que a luta pelo acesso à justiça cabe a todos os setores da sociedade. “O CNJ estabeleceu a ferramenta da Justiça 4.0, que já é uma realidade em várias cidades brasileiras, inclusive as parecidas com Natal, como Fortaleza. Então, nós não poderemos fugir disso. Portanto, minha sugestão é que sejam fornecidos canais seguros e precisos de atendimento virtual, para que as pessoas não precisem se deslocar por longos quilômetros para ter seu acesso à justiça”, concluiu. O representante da OAB, João Victor Hollanda, frisou a importância de se ouvir o lado social, atendendo aos anseios da população, porém analisando os meios de que dispõe o TJ-RN para prestar serviços de qualidade aos cidadãos da cidade do Natal.